sábado, 5 de dezembro de 2009

Heróis da pátria

Voltando da minha prova do ENEM lá no inferno do Geisel, já na rua de casa, encontro um carro de bombeiros parado no sinal. Jajá o motorista do carro começa a tocar a sirene, e um cara sentado no banco do carona começa a chamar um taxista, e a sirene lá gritando pra chamar a atenção do velhinho que estava ociosamente sentado com os outros taxistas. Ele se levanta, chega lá perto, e antes que o sinal abra o bombeiro pergunta:
- Opa, boa tarde, me desculpe, mas pra chegar na Avenida Esperança daqui como a gente faz?

Agora eu me sinto seguro.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Coletivo Saci

Mãe saci diz pro filho saci: "Olhe, meu filho, vá num pé e volte noutro!"
O sacizinho foi e nunca mais voltou.

domingo, 15 de novembro de 2009

Contabilização do prejuízo

Como já fui assaltado & afins muitas vezes e estou quase perdendo a conta, vou colocando aqui pra evitar esquecer.

#1 - Durante o Abril Pro Rock 2008, Recife - Eu tava com a bolsa cheia de todas as coisas e na verdade quem foi assaltado foi Pedro, mas eu tava lá então tá valendo

#2 - Meados de 2008, na farmácia perto do MAG - encurralado entre carros do estacionamento, pelo menos o boy foi generoso e disse que eles só queriam o celular. Me encontrei com esse boy algumas vezes depois, mas a gente nem se falou.

#3 - Antes de algum dia do Cineport 2009, em frente ao Clube dos Oficiais - Eu lá voltando pra casa ouvindo Caetano no mp3 e nem escuto quando chega um bicho na bicicleta, pedindo com indizível cavalheirismo: "EI BOY, O CELULAR, OSH MIZERA". Uns quinze metros mais pra frente tinham uns dois mendigos. "Pooo, era pra tu ter corrido pra cá, velho, a gente dava um jeito nesse bicho. Esse povo é foda, po. A gente toma uma, a gente fuma maconha, mas não dá valor a isso não, po. A gente tá aqui justamente esperando chegar o dono desse celular que a gente achou ali no estacionamento." Bom saber que existem mendigos maconheiros solidários. Luna tava passando de carro na hora, comentário dela: "Ah, eu te vi hoje quando tu tava voltando do colégio, lá perto do Clube dos Oficiais! Ai eu tava achando estranho, 'osh, de onde Matteo conhece esse menino na bicicleta?'"

#4 - Saindo do aniversário de Bras - Um bixo numa moto, uma mulher atrás, três horas da manhã, rua deserta. Tudo tenso.

#5 - Num 202 indo pra Jaguaribe, entre setembro e outubro de 2009 - Eu lá no 511 indo pra integração pra pegar o ônibus pra Jaguaribe, escutando Apple Juice Kids no mp3. Quando entro no ônibus de Jaguaribe, lotadíssimo, boto o mp3 dentro da bolsa pra evitar ficar muito a mostra e eu ser assaltado. Quando desço do ônibus descubro que no bolso onde deveria estar o mp3 só tem meu passe legal, a carteira e algum embrulhinho de plástico. E na carteira tinha 20 reais a menos. Essa porra, vou resmungando o caminho inteiro, e quando chego na Praça do Clube dos Veteranos chego já resmungando com Diego e Lívio e vou revistar melhor minha bolsa pra me certificar que fui roubado. Ai descubro que o tal embrulhinho era uma sacola de plástico enroladinha com uma quantidade de um pó branco dentro. Depois de um instante de perplexidade, Pedro Osmar me manda jogar fora aquilo que é perigoso e não pode dar bobeira e a polícia e nãoseique, e abandono lá debaixo de um saco de lixo. No outro dia descubro que era um saquinho de sal que Shambock tinha botado na minha bolsa sem me avisar quando ela tava com pressão baixa.

#6 - Dia das crianças de 2009, no Retão de Manaíra - Eu com a minha bolsa com todas as coisas dentro, indo em direção ao Shopping. No meio do caminho aparecem dois bichos na bicicleta que estavam no asfalto e sobem pra calçada de repente, mas seguem em frente. Quando chego na farmácia perto do shopping, lá vem eles voltando, e falando alguma coisa. Porra nenhuma, quis nem saber, e meti a carreira, só pra ser cumprimentado com um "CORRA NÃO SEU MIZERA", e disparei entre os dois. Duas mulheres vinham andando na minha frente calmamente, e quando me escutaram correndo se viraram e viram alguma coisa. Eu não sei o que elas viram, mas começaram a correr aterrorizadas, e uma delas que tava de salto alto tropeçou e caiu no chão. No meu instinto foda-se do momento, continuei correndo e em trinta segundos tinha entrado no shopping, subido pra praça da alimentação, dado a volta e descido de novo, só pra me encontrar com Carlos Campos que tirou onda de mim por estar no Shopping.

#7 - Dia da proclamação da República de 2009 - Minha mãe viajando, o gás vazando na cozinha e nada pra preparar no microondas. Saio de casa com cinqüenta e cinco reais pra almoçar num restaurante aqui perto, ai no meio do caminho lá vem um bicho de bicicleta: "Ei boy, tá afim de levar um tiro? Então vá passando aí, celular, carteira, e saia de perto de mim", e foi-se embora. Provavelmente ele nem tinha uma arma, mas não tava afim de descobrir. Voltei pra casa sem dinheiro, sem celular e sem almoçar. Almocei pipoca de microondas.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

9909-5768

De manhã no intervalo do colégio me liga esse número, e é a cobrar. Imagino que deve ser algum dos meus amigos pobres ligando a cobrar do celular de outra pessoa. Desligo e tento retornar, mas acabo não conseguindo falar, o número me liga mais algumas vezes e depois desiste. Outro dia me liga de novo, tento retornar e dá que o número não existe. Começo a ficar curioso. Outra vez que ele tentou me ligar alguns dias depois, até consegui retornar, mas a pessoa do outro lado da linha ficou muda. Aí comecei a ficar com raiva. Passam várias semanas e o número fica ligando o tempo todo, e eu às vezes ignorando às vezes tentando retornar, e nunca conseguindo. Uma vez até consegui, e uma voz de mulher perguntou "de quem é esse telefone?" Aumentou meu ódio pelo número. Até hoje ele está salvo na minha agenda sob o nome "Mzr".

Mais ou menos um mês depois da primeira vez que ele ligou, ele liga de novo. Incansável. Tento uma última vez, movido mais pela curiosidade do que por qualquer outra coisa. Retorno. Atendem. Finalmente. Um diálogo com o dono do número desconhecido. Transcrevo-o aqui:

MATTEO - Quem é?
MZR (voz de criança) - Helicópterohelicópterohelicópterohelicópterohelicóptero!

Foi a última vez que ele ligou.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Conte as suas férias

Passaram uma redação no colégio, e o tema era "corrupção". Com um tema clichê desses você tem que ser criativo. O que eu consegui fazer foi isso aí.

***

A polícia pega o menino com uma dólar de maconha, poderia levá-lo para a delegacia, fichá-lo, tomar as medidas cabíveis, mas basta que ele tenha uma nota de vinte, que ele vai embora ileso. A polícia descobre o político criando mega-empresas fantasma de lavagem de dinheiro, movimentando milhões internacionalmente, mas basta que o político faça um depósito com mais de seis zeros à direita, que ele sai ileso. A corrupção no nosso país vai do infinitesimal ao infinito e além, está em todas as camadas, virou um aspecto cultural. As pessoas se acostumam. Um policial não ganha muito, mas se ele for extorquir todo usuário que ele encontra, numa semana pode conseguir facilmente mais de um salário mínimo extra. Já é motivação o suficiente para não fazer greves por salário, com uma fonte de renda alternativa boa dessas. E se uns quinhentos reais por semana já são motivação o suficiente, imagine milhões e milhões por mês. Ninguém tem interesse em acabar a corrupção.

Do jeito que vai, não é nem perto do exagero dizer que é impossível acabar a corrupção. Teria que se fazer uma campanha pesada e intensiva, se bem que provavelmente muito dinheiro de origens duvidosas iria passar por essa campanha. Nada está a salvo da corrupção, e nada é sagrado o suficiente para ser intocável. Nem Deus. As igrejas Universais que o digam.

Poderíamos, quem sabe, incitar uma campanha anti-corrupção no submundo. Se um traficante se recusar a ser extorquido por policiais, bem que podia ir preso, mas fichar um processo de extorsão contra os policiais. Já era um dinheiro bom a mais, e a serviço da comunidade. E que policial iria querer extorquir se não pudesse mais nem confiar no "mau-caráter" dos traficantes?

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Sistema Internacional de Unidades

Você desce de um ônibus lotado na Epitácio, e sua meta é algum ponto no coração do Bairro dos Estados, no meio daquelas ruas todas iguais, debaixo do sol quente. Uma sede se apodera de você, que nem se anima em começar a longa peregrinação. Você compra uma latinha de cerveja para servir de mantimento. A latinha acaba, e no meio do caminho compra outra. No percurso final, mais outra. Quando finalmente chega ainda te olham torto.
"Que demora da porra! Viesse rastejando, foi?"
"Vá se foder, tem idéia de quanto eu aindei?"
E é aí que você nota que nem você tem idéia de quanto andou, só sabe que foi muito. Naquelas ruas iguais do Bairro dos Estados perde-se toda a noção relativa de distância e localização. Quando te perguntam quanto você andou, a única resposta que te vem é:
"Três cervejas!"
Não tem ninguém que não entenda.

***

Para fins estatísticos, uma cerveja foi calculada em aproximadamente 300 a 450 metros, dependendo do tamanho do gole, e do intervalo entre um gole e outro (que geralmente é de quatro a seis metros).
Essa foi uma idéia desenvolvida por Pedro Henrique.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Enologia no Candeeiro

Freqüentemente nós freqüentadores do centro-histórico e imediações nos deparamos com uma escolha. Difícil para alguns e imediata para outros. Pinheirense ou Carreteiro? Existem alguns fatores a serem levados em consideração que podem ajudar nessa decisão: preço, qualidade, vitaminas, teor alcoólico... Entretanto para uma compreensão completa dessa questão, temos de analisar a fundo a história sociológica do vinho no mundo pós-Revolução Industrial.

Antes da Revolução Industrial, no mundo medieval, e até renascentista, o vinho era um artigo caseiro, cada família tinha sua plantação de uvas, fazia seu vinho no quintal de casa, e os que não tinham acesso a tanta tecnologia iam a tavernas, se reuniam com amigos ao redor de uma garrafa de cerâmica e apreciavam aquela iguaria artesanal. Os mais nobres tomavam vinhos feitos de uvas especializadas, tratadas com o maior cuidado, e em ocasiões especiais (visitas do papa ou de Napoleão). O consumo de vinho era uma coisa muito mais comensalista, havia todo um ritual ao redor do vinho, o sangue de cristo, talvez até por causa de toda essa liturgia cristã que refletia na mente das pessoas.

Veio a Revolução. As coisas foram ficando mais rápidas. As carroças perdiam cavalos e ganhavam caldeiras de carvão e começavam a soltar fumaça enquanto corriam loucamente pelos campos, pelas plantações de uva. Essa rapidez se refletiu na sociedade. Veio também o motor a explosão, e o carro, e a rapidez se popularizou. As pessoas vão ficando cada vez mais apressadas, num processo desenfreado que continua até hoje. Quem é que ia ter esse tempo todo de ficar esperando as tias irem na vinha pisar nas uvas pra poder encher mais um barrilzinho de vinho pra ficar conversando com a família? O proletariado tinha que correr para as fábricas, apertar parafusos, colocar carvão nas caldeiras, e quanto menos demorasse em suas horas de lazer, mais lucro. Por isso o vinho tinha que ser mais rápido também. Comercializa-se.

É aí que entra o Carreteiro. Nosso querido companheiro nada mais é que uma tentativa pós-Revolução Industrial de popularizar e espalhar o vinho entre as pessoas que não têm tempo a perder pisando em uvas. Sua embalagem reciclável e seu preço acessível entretanto não significam que a qualidade é ruim, como muitos pensam. O Carreteiro tem uma relação custo/benefício muito balanceada. Por benefício leia-se teor alcoólico. Uma garrafa é o suficiente para uma noite alegrinha, e duas ou três para uma noite de um bom rock não muito exagerado. O Carreteiro veio salvar a vida de nós, filhos de uma geração meio beat meio pós-Revolução Industrial, que temos pressa mas que temos tempo, embora gostemos de reclamar da falta dele.

Mas tem a outra face da moeda. O Pinheirense. Toda popularização tem seu lado negativo. O forró, nosso querido forró, saiu desconhecido do sertão, Luiz Gonzaga o levou para os quatro cantos do mundo e hoje a gente vê por aí Forró do Muído, Forrókissó e essas bizarrices. É a popularização. Que bom que o forró passou a ser mais valorizado, mas também peraí. De um lado temos o Carreteiro levando o suco de uva fermentado às camadas menos abastadas, e do outro lado temos o surgimento desta mutação enológica. O Pinheirense. Esse fermentado de uva, maçã e às vezes até abacaxi, segundo ouvi. A plastificação do vinho. Ressaca líqüida. O Pinheirense se valeu dessa abertura proporcionada pela nova sociedade à rapidez e à improvisação, e a levou a um extremo. Um extremo terrível. Um extremo fatal. Sério mesmo. Diga não a Pinheirense, porque é foda.